Desde Março de 2020 que Angola vive uma situação de prevenção da propagação do virus SARS-COV-2 e da doença COVID-19. Inicialmente foram adoptadas medidas leves de prevenção geral, tendo-se passado depois à situação de Estado de Emergência constitucional e, actualmente, Angola vive em situação de Calamidade Pública.
Nesta terceira edição da Coletânea, agora com o título revisto, pode encontrar os vários de diplomas adoptados desde o início da declaração de pandemia, o que confere a esta edição o valor de instrumento de análise da evolução das medidas adoptadas, em Angola, ao longo dos últimos meses. Simultaneamente a Colectânea tem uma utilidade actual, porque reúne os diplomas actualmente em vigor em Angola, que visam prevenir a propagação da COVID-19 e apoiar a economia.
Durante o estado de emergência a circulação de pessoas foi restringida ao mínimo essencial e entre 26 de Março e 25 de Abril (ou seja, durante um mês) a maior parte das empresas estavam encerradas, em cumprimento do estabelecido no Decreto Presidencial que declarou o estado de emergência e os termos da primeira prorrogação do mesmo. Só a partir de 26 de Abril, no terceiro período de vigência do estado de emergência, é que foi permitido o exercício da actividade comercial de bens e serviços em geral (além de outras actividades essenciais, cujo funcionamento já era permitido).
É ainda relevante ter presente que mesmo a operar em actividades permitidas, as empresas estavam obrigadas a trabalhar em horário reduzido e com 50% do seu pessoal, (grande parte da força de trabalho manteve-se em casa, em regime de trabalho remoto, quando existiam condições para o efeito, ou mesmo com dispensa de trabalho.
Neste contexto, questionámos como é que as obrigações de pagar impostos e apresentar declarações fiscais foram afectadas pelas medidas de prevenção da Covid-19 e apresentamos neste Guia Rápido a nossa visão.
Trata-se de um trabalho colectivo coordenado pelo Dr. Yuri Ganga e pela Dra. Juliana Miranda, advogados em Angola.
Com a prorrogação do estado de emergência, para um quarto período, algumas das regras aplicáveis às relações laborais foram alteradas, o que motivou a actualização do documento. Colocamos agora à disposição do público a 2.ª edição.
Angola vive, temporariamente, na situação de excepção constitucional de estado de emergência desde 27 de Março.
O Presidente da República, através do Decreto Presidencial n.º 81/20, de 25 de Março, declarou o estado de emergência por um período de 15 dias, com início a 27 de Março e termo a 11 de Abril. A situação de estado de emergência foi prorrogada por mais 15 dias, pelo Decreto Presidencial n.º 97/20, de 9 de Abril, com termo previsto para dia 25 de Abril, e foi prorrogada uma segunda vez pelo Decreto Presidencial n.º 120/20, de 24 de Abril.
No acto de segunda prorrogação do estado de emergência manteve-se a interdição de permanência e circulação de pessoas na via pública, salvo nos casos permitidos; e permitiu-se o exercício de actividade comercial em geral, com horário reduzido e desde que cumpridas várias condições de segurança.
Em consequência do estado de emergência, Angola está há mais de um mês em regime de serviços mínimos essenciais, o que tem tido um impacto forte nas empresas e nas relações laborais. Neste contexto, surgiram várias empresas a oferecer novos serviços (de entregas e outros); algumas empresas já existentes foram forçadas a adaptar muito rapidamente a sua oferta a uma circunstância em que os clientes não vão há loja comprar; e, outras foram forçadas a adoptar novas medidas de higiene e segurança no trabalho e a recorrer ao trabalho por via remota. Além disso, milhares de trabalhadores foram dispensados da efectiva prestação do seu trabalho, mantendo, contudo, os seus postos de trabalho. São muitas mudanças, de grande profundidade e tudo acontece num curto espaço de tempo sob o lema “adapta-te ou sai do mercado”.
Nessa conjuntura, sumariamos algumas das principais questões que se colocam no campo das relações laborais em consequência das regras excepcionais impostas pelo estado de emergência.
Não é nosso objectivo esgotar todas as questões relevantes, nem oferecer opinião em relação a casos concretos.
Angola permanece em prevenção da Covid-19, tendo o estado de emergência sido decretado para ter início em 27 de Março de 2020. Desde ai já foi prorrogado duas vezes.
De acordo com o Decreto Presidencial n.º 120/20 de 24 de Abril, Angola permanecerá em estado de emergência até ao fim do dia de 10 de Maio. Até essa data “é interdita a circulação e a permanência de pessoas na via pública, devendo os cidadãos estar submetidos a recolhimento domiciliar e isolamento social”, sendo admitidas várias excepções.
Desde a publicação da primeira edição desta colectânea foram publicados vários instrumentos de regulamentação das regras que vigoram durante o estado de emergência e é fundamental que as possamos conhecer para estarmos habilitados a cumprir.
Nesta segunda edição encontrará mais de 15 novos documentos incluindo, o enquadramento constitucional e legal do estado de emergência, bem como o conjunto de diplomas e comunicações de execução, que foram, entretanto, tornados públicos.
Esta colectânea é muito mais do que uma colecção de documentos avulsos sobre o estado de emergência em Angola. Nesta segunda edição melhorámos o conteúdo e a sistemática e é possível ver nas suas páginas a evolução das medidas que foram sendo tomadas para prevenção da Covid-19.
Esperamos que esta colectânea lhe seja útil durante e depois deste tempo de excepção.
1.ª edição
Para facilitar a consulta e análise das regras aplicáveis durante o tempo de estado de emergência em Angola, coligimos um conjunto de diplomas e comunicações essenciais para entender como proceder e o que pode e não pode fazer.
Para esclarecimentos adicionais não hesite em falar connosco pelos meios habituais ou pelos seguintes contactos:
A epidemia do Covid-19 declarado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no passado dia 11 de Março certifica que a propagação do vírus SARS-Cov-2, vulgo corona vírus, é global e que as autoridades de todos os países devem tomar medidas para conter, gerir e reduzir os riscos da doença. É neste contexto que o país se prepara para, pela primeira vez na sua história, ver declarado o estado de emergência.
No passado e enquanto vivemos o período de guerra foi-nos várias vezes colocada a questão política e jurídica sobre se deveria ou não ser declarado o estado de necessidade constitucional, ou seja, se estavam reunidas as condições para serem declarado o estado de sítio ou estado de emergência. A resposta jurídica e política que se adoptou fundava-se, essencialmente, na desnecessidade de se limitarem direitos, liberdades e garantias fundamentais. No momento actual, ao ter reunido o Conselho da República, o Presidente da República indicia que se prepara para declarar o estado de emergência. Trata-se de uma decisão política e jurídica que, pelo seu significado, se pretende dar nota no texto que se segue.
Os estados de excepção constitucional, em especial no caso o estado de emergência, implicam a possibilidade de restrições mais intensas aos direitos fundamentais do que aquelas que normalmente são aceites
Em primeiro lugar, vale dizer que o estado de necessidade é, desde logo, um instituto jurídico constitucionalizado. Ou seja, é a própria Constituição que o consagra e estabelece o seu regime de declaração. Portanto, a sua regulamentação jurídica é, em si mesma, um limite às circunstâncias, forma e âmbito da sua declaração pelo poder político. No plano infra-constitucional, o seu regime foi desenvolvido pela Lei n.º 17/91, de 11 de Maio, que também regula a declaração do estado de guerra e do estado de sítio. Ao abrigo da Lei n.º 17/91, de 11 de Maio, o estado de emergência é declarado “quando as situações determinantes do estado de excepção se apresentam com menor gravidade, nomeadamente, nos casos em que se verifica ou haja indícios de calamidade pública.” Claramente, a situação causada pelo Covid-19 afasta tanto a declaração do estado de guerra e do estado de sítio. Com efeito, o estado de guerra caracteriza-se pelo emprego de meios militares dentro dos pressupostos próprios da actividade de defesa nacional. Por sua vez, o estado de sítio é declarado “nos casos em que se verifiquem ou estejam iminentes actos de invasão de forças estrangeiras ou tumultos, pondo em causa a soberania, a independência, a integridade territorial ou a ordem constitucional e não possam ser afastadas pelos meios normais ao alcance do Estado.
Na verdade, em termos jurídicos, estamos a falar do grau de intensidade da crise ou evento que desencadeia o estado de emergência e dos respectivos efeitos: em situação de estado de sítio é admissível a suspensão total de direitos, liberdade e garantias. Enquanto no estado de necessidade é apenas permitida a suspensão parcial. Por conseguinte, equacionando, parece-nos que o Covid-19 desencadearia um estado de suspensão menos intenso intenso das restrições aos direitos, liberdades e garantias fundamentais.
Os estados de excepção constitucional, em especial no caso o estado de emergência, implicam a possibilidade de restrições mais intensas aos direitos fundamentais do que aquelas que normalmente são aceites. Daí a necessidade de se explicarem as razões e os pressuposto da declaração do estado de emergência.
Resumidamente, os direitos, liberdades e garantias constitucionais consagram aos seus titulares uma amplitude de liberdades agir e, simultaneamente, de o Estado não se intrometer, devendo ainda garantir e promover. De entre elas: a liberdade para iniciar uma actividade económica; liberdade de escrever, expressar ou por outra forma divulgar o seu pensamento ou ideias; liberdade de criação artística, cultural ou científica; liberdade de circulação e fixação de residência; liberdade de reunião e manifestação; liberdade de associação; liberdade de culto e religião, etc.
Se a sua vertente positiva está associada a uma permissão de agir para o seu titular, a vertente negativa está associada a obrigações negativas para o Estado (poder e Administração) e demais entidades públicas: o Estado deve abster-se de estabelecer proibições ou limitações de direitos fundamentais fora dos termos estabelecidos pela própria Constituição – obrigação de não interferência. Mas também estão associadas obrigações positivas para o Estado e entidades públicas: a elas caberá assegurar as condições de exercício dos direitos fundamentais; legislar e regulamentar o exercício de tais direitos em conformidade e obediência à Constituição; assegurar a disponibilidade de meios e organização para o exercício de certos direitos (por exemplo, para o exercício do direito de antena); garantir os meios necessários de prevenção e sanção de eventuais ingerências por parte de terceiros; garantir a aplicação da justiça pelos tribunais.
O estado de emergência, como se disse, é declarado para limitar direitos, liberdades e garantais perante uma situação de crise, que sendo já uma ameaça pode até não constituir ainda perigo iminente de modo a permitir às autoridades antecipar-se na protecção à colectividade como um todo.
Sabemos que todo o acto de regulação comporta em si algum tipo de restrição e, no que toca aos direitos, liberdades e garantias, o regime geral, a forma e a materialidade de tais restrições estão balizadas pelo artigo 57.º da Constituição; preceito esse que estipula:
“1. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário, proporcional e razoável numa sociedade livre e democrática, para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. 2. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão nem o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”
Decorre, então, do citado artigo 57.º um conjunto de pressupostos e requisitos materiais que analisaremos de seguida e também requisitos quanto à forma da lei restritiva de direitos, liberdades e garantias. Assim, do ponto de vista formal, a restrição de direitos, liberdades e garantias só pode efectivar-se mediante:
a) Lei em sentido formal. Ou seja, compete exclusivamente à Assembleia Nacional legislar em matéria de direitos, liberdades e garantias e restrições aos mesmos [alíneas b) e c) do artigo 164.º]. Trata-se de matéria de reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia Nacional e, portanto, não é admitida a possibilidade de autorização ao Presidente da República para legislar nestas matérias. Fica, assim, assegurado que a matéria dos direitos fundamentais não queda na disponibilidade de regulação da Administração, sujeita a critérios de conveniência, mas que seja decidida pelo órgão legislativo soberano do Estado, que exerce a função em representação do povo e nele congrega as várias orientações políticas que receberam mandato em eleições;
b) Lei geral e abstracta. Isto é, por um lado, tem de ser uma lei que tem como destinatários a generalidade das pessoas, por oposição à lei que se aplica apenas a uma pessoa ou a um conjunto identificado de pessoas. Por outro lado, lei abstracta é aquela que é aplicável a um conjunto indeterminado de casos. Em resumo, a lei que restringe direitos, liberdades e garantias tem de dirigir-se à generalidade das pessoas e aplicar-se a um conjunto indeterminado de casos;
c) lei sem efeito retroactivo. O que significa que a lei que restrinja direitos, liberdades e garantias pode ter aplicação apenas para o futuro; dito de outra forma, a lei não pode aplicar-se a factos já ocorridos. A não retroactividade constitui uma garantia para os cidadãos que os actos praticados em determinado momento têm os efeitos cominados pela lei vigente nessa data e que podiam razoavelmente antecipar. Está em causa a tutela do princípio da confiança, que decorre directamente do primado do Estado de Direito Democrático. Visto panoramicamente o regime formal, passemos agora ao regime material. A doutrina reconhece pelo menos três níveis de restrições impostas aos direitos, liberdades e garantias por via de lei: as restrições directamente previstas pela Constituição (restrições constitucionais directas), as restrições impostas por lei (infra-constitucional) sob autorização da Constituição (restrições sob reserva de lei restritiva) e as restrições impostas por lei infra-constitucional sem autorização expressa da Constituição (restrições não expressamente autorizadas).
A não retroactividade constitui uma garantia para os cidadãos
Analisemos as condições cumulativas de licitude constitucional, em termos materiais, aplicáveis à restrição de direitos, liberdades e garantias:
a) Autorização constitucional: a existência de autorização constitucional para a imposição de restrições. Diremos que tal autorização constitucional poderá ser expressa, decorrendo directa e imediatamente do texto constitucional; ou tácita, podendo não ser expressa, mas estar implícita em norma constitucional. Quanto às restrições não expressamente autorizadas pela Constituição, são avançadas três critérios de admissibilidade, que acompanhamos:
(1) que a lei se limite a «revelar» ou a concretizar limites de algum modo presentes na Constituição, não sendo de admitir que se criem autonomamente limites supostamente imanentes;
(2) que a definição de tais limites seja o único meio de resolver conflitos de outro modo insuperáveis entre direitos constitucionais de idêntica natureza;
(3) que tais limites reduzam o âmbito do direito ou direitos atingidos apenas na medida estritamente necessária à superação do conflito;
b) Proporcionalidade: que a restrição se limite ao necessário, proporcional e razoável. As restrições aos direitos, liberdades e garantias têm de ultrapassar o teste da proporcionalidade, que se desdobra no seguinte: as medidas restritivas devem constituir o meio adequado para a salvaguarda de outro bem, direito ou interesse com tutela constitucional (princípio da adequação); devem ser necessárias, exigíveis, por não haver à disposição outro meio menos gravoso que possibilite a realização do mesmo fim (princípio da necessidade); e devem ser doseadas na medida justa para a realização do fim em vista (princípio da proporcionalidade em sentido restrito). Está em causa a proibição de medidas restritivas excessivas ou que causem maior lesão do que a que seria necessária para aquele fim de proteção;
c) Propósito: que a restrição tenha por objectivo salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. A imposição de restrições aos direitos, liberdades e garantias tem uma finalidade constitucionalmente predefinida a que o legislador deve obediência. Ou seja, ao legislador não é permitido determinar restrições de direitos quando tal restrição não sirva o propósito de assegurar a salvaguarda, a protecção, de outros direitos e interesses protegidos ao mesmo nível constitucional. Daqui decorrem duas ideias-chave: o sacrifício sustentado por um direito fundamental tem sempre motivação e propósitos previamente definidos; e não é válida a restrição de direitos fundamentais para salvaguarda de direitos ou interesses que beneficiam apenas de tutela infra-constitucional (ao nível da lei ordinária ou de normas administrativas);
d) Salvaguarda do conteúdo essencial: que a restrição imposta não diminua a extensão nem o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. Saliente-se que o “conteúdo essencial dos preceitos constitucionais” parece indicar-nos um caminho distinto do “núcleo essencial dos direitos, liberdades e garantias”. Assim, qualquer restrição a um direito, liberdade e garantia encontra como barreira de defesa o que seja definido pela Constituição quanto ao âmbito, profundidade (alcance) e as relações com outros direitos e os seus efeitos (extensão), que, em conjunto, formam parte do núcleo essencial do direito em causa. Uma restrição não pode significar a anulação total do efeito ou utilidade de um direito em favor de outro, sendo sempre necessário assegurar que o direito objecto da restrição mantém a sua eficácia e efectividade.
No essencial, do artigo 57.º resultam os critérios de materiais de proporcionalidade, razoabilidade e necessidade, importando que as medidas salvaguardem o conteúdo essencial dos direitos, liberdades ou garantias em causa: a restrição imposta não diminua a extensão nem o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. E devem ser adoptadas por lei da Assembleia Nacional.
As restrições aos direitos, liberdades e garantias têm de ultrapassar o teste da proporcionalidade
Tal regime material, aplica-se com adaptações à declaração de estado de emergência. Decorre daí que, em situações de excepção previstas na Constituição, como é o caso do estado de emergência, é admissível suspender – parcial e temporariamente – o exercício de certos direitos, liberdades e garantias. Não se trata da sua restrição ou da alteração do seu núcleo essencial, nem tão-pouco da regulação subjacente à sua efectividade: trata-se de determinar que, por razões extraordinárias, durante um período de tempo determinado, os cidadãos não poderão invocar ou fazer uso das vantagens decorrentes dos direitos, liberdades e garantias. No caso concreto, a suspensão de direitos, liberdades e garantias poderá ocorrer da declaração de estado de emergência pelo Presidente da República, ao abrigo da alínea p) do artigo 119.º da Constituição. Acto esse que toma a forma de decreto presidencial.
Tal situação é uma das bem tipificadas do artigo 58.º da Constituição ao lado do estado de guerra e do estado de sítio. Tratam-se de situações caracterizadas por serem de efectiva ou iminente ameaça grave, comportarem perigo para a existência do Estado e dos cidadãos, a segurança e organização da comunidade, que para serem debeladas exigem uma resposta extraordinária, com recurso a medidas de excepção. Dir-se-ia que o estado de excepção constitucional é, pois, uma situação anómala, por natureza transitória, destinada a pôr fim a perturbações constitucionais («autodefesa constitucional») ou a situações de calamidade que não possam ser enfrentadas com os meios constitucionais normais.
É de notar, por isso, que não se trata de um acto livre e autónomo do Presidente da República, na medida em que carece da audição prévia da Assembleia Nacional e está sujeito à verificação de pressupostos materiais quanto à situação (factos concretos que determinam a necessidade de aplicação de medidas excepcionais) e requisitos materiais.
Não obstante a necessidade de resposta excepcional a uma situação anómala, há um conjunto de direitos fundamentais que não podem ser afectados. Entende-se que, mesmo em situação de perigo para o Estado ou para a comunidade, estes direitos permanecem plenamente eficazes e não podem ser suspensos. De entre eles, o direito à vida; à integridade pessoal e à identidade pessoal; o direito à não retroactividade da lei penal; o direito de defesa dos arguidos; a liberdade de consciência e de religião, bem como as regras associadas à organização e funcionamento do Estado, como sejam as regras relativas à competência e ao funcionamento dos órgãos de soberania; os direitos e imunidades dos membros dos órgãos de soberania; a capacidade civil e a cidadania. Visto de forma global, diremos que os direitos e regras intangíveis, mesmo em situação de excepcionalidade constitucional, estão intrinsecamente ligados e são corolário do princípio da salvaguarda da dignidade da pessoa humana e do princípio do Estado de Direito Democrático, que constituem as fundações da Constituição e do Estado Angolano. Para além de outros requisitos próprios da declaração do estado de necessidade, merece destaque a primazia atribuída ao princípio da proporcionalidade como bainha de segurança à eventual desproporcionalidade da medida. O estado de emergência e as medidas de concretização devem limitar-se ao necessário e adequado à manutenção da ordem pública; à protecção do interesse geral; e a não ultrapassar o necessário quanto à sua extensão, duração e meios utilizados.
No estado de emergência, a finalidade em causa é a manutenção da ordem pública e da normalidade constitucional. Se os efeitos de manutenção da ordem pública puderem ser alcançados pela suspensão apenas de alguns direitos ou pela imposição de restrições excepcionais, será esse o caminho consentâneo com o princípio da proporcionalidade. A par do regime aplicável às restrições dos direitos, liberdades e garantias, a Constituição estabelece ainda um conjunto de regras de natureza garantística, que visam assegurar que, em determinadas situações, as práticas do Estados e dos seus agentes são de molde a preservar os direitos, liberdades e garantias das pessoas e a prevenir a sua violação, com a consequente degradação da dignidade da pessoa humana das pessoas afectadas.
Sem nos determos sobre cada uma das regras de garantia, destacamos que integram esse bloco: a proibição da pena de morte; a proibição da tortura e de tratamentos degradantes; as regras particularmente gravosas aplicáveis aos crimes hediondos e violentos; a irreversibilidade das amnistias; os direitos reconhecidos aos detidos e presos; as regras aplicáveis à privação da liberdade; as regras de aplicação da lei penal; os limites aplicáveis às penas e medidas de segurança e as regras do processo penal; a possibilidade de habeas corpus e habeas data; as regras aplicáveis à extradição e expulsão; o direito de asilo; o direito a julgamento justo; o direito de petição, denúncia, reclamação e queixa; o direito de acção popular, assim como as regras de responsabilidade do Estado e outras entidades públicas.
Como não poderia deixar, abordamos o tema em termos genéricos e sem o conhecimento dos termos exactos do decreto presidencial que declara o estado de necessidade. Só analisando o texto do diploma poderemos avaliar o grau de intensidade das limitações ou restrições aos direitos fundamentais.
Em qualquer caso e nos termos legalmente previstos, em caso de dúvidas, o Tribunal Constitucional pode ser convocado a pronunciar-se sobre a conformidade constitucional das normas do diploma.
por razões extraordinárias, durante um período de tempo determinado, os cidadãos não poderão invocar ou fazer uso das vantagens decorrentes dos direitos, liberdades e garantias
Assim, em termos constitucionais e legais as balizas estão traçadas e têm limites máximos materiais como a proibição de afectação de certos direitos, liberdades e garantias como o direito à vida e temporais. Ou seja, tais medidas devem limitar-se ao estritamente necessário ao imediato restabelecimento da normalidade, não podendo prolongar-se por mais de 90 dias, sem prejuízo da sua prorrogação. A julgar pelos dados tornados públicos e face aos desafios efectivos do Estado e da população, estamos convencidos que estão reunidos os pressupostos da declaração do estado de emergência, uma vez que o Covid-19 é uma ameaça e um perigo mais do que iminentes.
O presente artigo foi redigido em 25 de Março de 2020 e corresponde ao desenvolvimento da nossa opinião publicada no Jornal de Angola, edição de 26 de Março de 2020. O tema é abordado em termos genéricos e sem o conhecimento dos termos exactos do decreto presidencial que declarara o estado de emergência.
Carlos Maria Feijó Sócio-fundador do CFA Doutor em Direito Público Professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto Professor convidado da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa Professor convidado da Escola de Direito da Universidade do MinhoAs ruas de luanda estão quase desertas. Os cidadãos estão a cumprir as determinações do estado de emergência.