Já está em vigor o novo texto constitucional angolano. Aprovada, pela Assembleia Nacional, em 13 de Agosto de 2021, na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 688/2021, de 9 de Agosto (que procedeu à fiscalização preventiva da constitucionalidade da mesma) e promulgada no dia 13 de Agosto, a Lei n.º 18/21, de 16 de Agosto, procede à primeira revisão constitucional à Constituição da República de Angola.
Anunciada como uma revisão pontual, a primeira revisão constitucional visa, como se lê na breve inscrição preambular da Lei, adequar o texto constitucional “ao actual contexto do país”. Para o efeito, a Assembleia Nacional promoveu 30 alterações, seis revogações e sete aditamentos ao texto constitucional. Trata-se, pois, de uma revisão abrangente com impacto em vários domínios, constantes de diversos títulos e capítulos da Constituição da República Angolana.
De entre o amplo agregado de novos normativos, realçamos aquelas com interesse directo para a actividade económica. Nesse domínio, destacamos os seguintes regimes constitucionais que regulam a iniciativa privada (artigo 14.º); o direito e limites da propriedade privada (artigo 37.º); e o regime do Banco Nacional de Angola (artigo 100.º):
– No artigo 14.º é consagrado o Estado como promotor da livre iniciativa económica e empresarial.
– O artigo 37.º institucionaliza a apropriação pública, permitindo que a Assembleia Nacional regule, por lei ordinária, o direito do Estado apropriar-se, “no todo ou em parte, de bens móveis e imóveis e participações sociais de pessoas individuais ou colectivas, quando, por motivos de interesse nacional, estejam em causa, nomeadamente, a segurança nacional, a segurança alimentar, a saúde pública, o sistema económico e financeiro, o fornecimento de bens ou a prestação de serviços.”
– O artigo 100.º promove o Banco Nacional de Angola a entidade independente, o qual para além de desempenhar o papel de banco central e emissor, passa a ser a autoridade monetária e cambial (e não apenas um participante na definição das políticas monetária e cambial como até então). Ao BNA é atribuído o papel fundamental de garantir a estabilidade de preços e assegurar a estabilidade do sistema financeiro. A nomeação do Governador do BNA é, a partir de agora, sujeita a uma audição prévia na Assembleia Nacional.
No geral, as novas medidas afiguram-se como lufadas constitucionais para um equilíbrio constitucional dinâmico: Enquanto promotor da iniciativa económica e empresarial, o Estado não se pode enredar nos contrapesos que entorpeçam a liberdade e iniciativa económicas dos privados.
Por si só, o instituto da apropriação por interesse público não desfigura a proteção constitucional da propriedade privada e dos direitos à iniciativa económica e empresarial, sendo de se antecipar que, em regulamentação do artigo 37.º da Constituição, a Assembleia Nacional não deixará de contemplar as medidas de efectiva protecção da propriedade privada face à consagração do instituto da aproprição por interesse público. No que diz respeito à independência do banco central, o equilíbrio dinâmico institucional será encontrado entre a independencia do banco central e os mecanismos de cooperação com o Executivo [agora previsto como poder do Presidente da República para a sua relação com a administração independente – artigo 120/d)] necessários para assegurar uma coerência na actuação da Administração na governação geral do país.
O imposto predial incide agora sobre a propriedade ou rendimento dos prédios urbanos e rústicos, terrenos para construção e sobre as transmissões onerosas e gratuitas de bens imóveis.
O novo Código do Imposto Predial traz várias novidades; de entre elas o alargamento da base de incidência. O imposto predial incide agora sobre a propriedade ou rendimento dos prédios urbanos e rústicos, terrenos para construção e sobre as transmissões onerosas e gratuitas de bens imóveis.
Em Julho partilhamos aqui uma abordagem de síntese sobre as alterações a este velho imposto. De lá para cá aprofundámos a nossa análise e preparámos um documento com uma abordagem simples e com uma linguagem que esperamos seja de fácil compreensão. O nosso propósito é facilitar o conhecimento das novas características do Imposto Predial e contribuir para a sua melhor compreensão.
Sabia que agora considera-se renda, tudo quanto o senhorio receba do arrendatário por efeito directo da cedência do imóvel e dos serviços que porventura nele tenha estabelecido, quer sejam especiais para o arrendamento, quer comuns a outros arrendamentos do mesmo ou de diversos imóveis e ainda que também aproveitem ao próprio senhorio. Que consequências tem isto na tributação de contratos de arrendamento em execução?
Vai ser possível fazer o registo comercial de actos e ter a respectiva certidão, sem ter de ir ao GUE. Com a assinatura digital qualificada o utilizador (com ligação à internet) poderá fazer o requerimento de registo e obter a certidão e a publicação de actos, sem sair da frente do seu próprio computador.
O recurso a soluções de tecnologia de informação, como instrumento de melhoria do ambiente de negócios, é reconhecido internacionalmente e já foi implementado em muitos países do mundo.
No quadro da “política para a melhoria do ambiente de negócios, competitividade e produtividade” e dos objectivos traçados no Plano Nacional de Desenvolvimento 2018-2022, o Ministro da Justiça regulamentou, por decreto, os procedimentos de registo comercial online, relativos a:
Actos de registo comercial
Publicação de actos relativos a sociedades comerciais
emissão electrónica de certidão permanente de registo comercial.
As novas regras aprovadas aplicam-se apenas às sociedades comerciais constituídas através do sitio www.gue.gov.ao. Ou seja, as sociedades já existentes não beneficiarão das medidas de facilitação tecnológica dos actos de registo comercial, mas este é já um passo importante na melhoria do serviço de registo comercial.
O regime aprovado é um desenvolvimento do Decreto Presidencial n.º 153/16, de 5 de Agosto, entretanto alterado pelo Decreto Presidencial n.º 60/20, de 3 de Março, sobre a constituição de sociedades comerciais online.
Tudo isto significa que, como já se faz em muitos países de mundo, vai ser possível fazer o registo comercial de actos e ter a respectiva certidão, sem ter de ir ao GUE. Com a assinatura digital qualificada o utilizador (com ligação à internet) poderá fazer o requerimento de registo e obter a certidão e a publicação de actos, sem sair da frente do seu próprio computador.
Numa época em que vivemos com a preocupação de manter o distanciamento social, para prevenção da transmissão da Covid-19, não podemos deixar de notar que esta é não só uma medida benéfica para o ambiente de negócios, como também boa para a saúde! Seguramente que, esta nova ferramenta vai aliviar as filas no GUE e a demora no agendamento de actos.
Com a prorrogação do estado de emergência, para um quarto período, algumas das regras aplicáveis às relações laborais foram alteradas, o que motivou a actualização do documento. Colocamos agora à disposição do público a 2.ª edição.
Angola vive, temporariamente, na situação de excepção constitucional de estado de emergência desde 27 de Março.
O Presidente da República, através do Decreto Presidencial n.º 81/20, de 25 de Março, declarou o estado de emergência por um período de 15 dias, com início a 27 de Março e termo a 11 de Abril. A situação de estado de emergência foi prorrogada por mais 15 dias, pelo Decreto Presidencial n.º 97/20, de 9 de Abril, com termo previsto para dia 25 de Abril, e foi prorrogada uma segunda vez pelo Decreto Presidencial n.º 120/20, de 24 de Abril.
No acto de segunda prorrogação do estado de emergência manteve-se a interdição de permanência e circulação de pessoas na via pública, salvo nos casos permitidos; e permitiu-se o exercício de actividade comercial em geral, com horário reduzido e desde que cumpridas várias condições de segurança.
Em consequência do estado de emergência, Angola está há mais de um mês em regime de serviços mínimos essenciais, o que tem tido um impacto forte nas empresas e nas relações laborais. Neste contexto, surgiram várias empresas a oferecer novos serviços (de entregas e outros); algumas empresas já existentes foram forçadas a adaptar muito rapidamente a sua oferta a uma circunstância em que os clientes não vão há loja comprar; e, outras foram forçadas a adoptar novas medidas de higiene e segurança no trabalho e a recorrer ao trabalho por via remota. Além disso, milhares de trabalhadores foram dispensados da efectiva prestação do seu trabalho, mantendo, contudo, os seus postos de trabalho. São muitas mudanças, de grande profundidade e tudo acontece num curto espaço de tempo sob o lema “adapta-te ou sai do mercado”.
Nessa conjuntura, sumariamos algumas das principais questões que se colocam no campo das relações laborais em consequência das regras excepcionais impostas pelo estado de emergência.
Não é nosso objectivo esgotar todas as questões relevantes, nem oferecer opinião em relação a casos concretos.
A epidemia do Covid-19 declarado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no passado dia 11 de Março certifica que a propagação do vírus SARS-Cov-2, vulgo corona vírus, é global e que as autoridades de todos os países devem tomar medidas para conter, gerir e reduzir os riscos da doença. É neste contexto que o país se prepara para, pela primeira vez na sua história, ver declarado o estado de emergência.
No passado e enquanto vivemos o período de guerra foi-nos várias vezes colocada a questão política e jurídica sobre se deveria ou não ser declarado o estado de necessidade constitucional, ou seja, se estavam reunidas as condições para serem declarado o estado de sítio ou estado de emergência. A resposta jurídica e política que se adoptou fundava-se, essencialmente, na desnecessidade de se limitarem direitos, liberdades e garantias fundamentais. No momento actual, ao ter reunido o Conselho da República, o Presidente da República indicia que se prepara para declarar o estado de emergência. Trata-se de uma decisão política e jurídica que, pelo seu significado, se pretende dar nota no texto que se segue.
Os estados de excepção constitucional, em especial no caso o estado de emergência, implicam a possibilidade de restrições mais intensas aos direitos fundamentais do que aquelas que normalmente são aceites
Em primeiro lugar, vale dizer que o estado de necessidade é, desde logo, um instituto jurídico constitucionalizado. Ou seja, é a própria Constituição que o consagra e estabelece o seu regime de declaração. Portanto, a sua regulamentação jurídica é, em si mesma, um limite às circunstâncias, forma e âmbito da sua declaração pelo poder político. No plano infra-constitucional, o seu regime foi desenvolvido pela Lei n.º 17/91, de 11 de Maio, que também regula a declaração do estado de guerra e do estado de sítio. Ao abrigo da Lei n.º 17/91, de 11 de Maio, o estado de emergência é declarado “quando as situações determinantes do estado de excepção se apresentam com menor gravidade, nomeadamente, nos casos em que se verifica ou haja indícios de calamidade pública.” Claramente, a situação causada pelo Covid-19 afasta tanto a declaração do estado de guerra e do estado de sítio. Com efeito, o estado de guerra caracteriza-se pelo emprego de meios militares dentro dos pressupostos próprios da actividade de defesa nacional. Por sua vez, o estado de sítio é declarado “nos casos em que se verifiquem ou estejam iminentes actos de invasão de forças estrangeiras ou tumultos, pondo em causa a soberania, a independência, a integridade territorial ou a ordem constitucional e não possam ser afastadas pelos meios normais ao alcance do Estado.
Na verdade, em termos jurídicos, estamos a falar do grau de intensidade da crise ou evento que desencadeia o estado de emergência e dos respectivos efeitos: em situação de estado de sítio é admissível a suspensão total de direitos, liberdade e garantias. Enquanto no estado de necessidade é apenas permitida a suspensão parcial. Por conseguinte, equacionando, parece-nos que o Covid-19 desencadearia um estado de suspensão menos intenso intenso das restrições aos direitos, liberdades e garantias fundamentais.
Os estados de excepção constitucional, em especial no caso o estado de emergência, implicam a possibilidade de restrições mais intensas aos direitos fundamentais do que aquelas que normalmente são aceites. Daí a necessidade de se explicarem as razões e os pressuposto da declaração do estado de emergência.
Resumidamente, os direitos, liberdades e garantias constitucionais consagram aos seus titulares uma amplitude de liberdades agir e, simultaneamente, de o Estado não se intrometer, devendo ainda garantir e promover. De entre elas: a liberdade para iniciar uma actividade económica; liberdade de escrever, expressar ou por outra forma divulgar o seu pensamento ou ideias; liberdade de criação artística, cultural ou científica; liberdade de circulação e fixação de residência; liberdade de reunião e manifestação; liberdade de associação; liberdade de culto e religião, etc.
Se a sua vertente positiva está associada a uma permissão de agir para o seu titular, a vertente negativa está associada a obrigações negativas para o Estado (poder e Administração) e demais entidades públicas: o Estado deve abster-se de estabelecer proibições ou limitações de direitos fundamentais fora dos termos estabelecidos pela própria Constituição – obrigação de não interferência. Mas também estão associadas obrigações positivas para o Estado e entidades públicas: a elas caberá assegurar as condições de exercício dos direitos fundamentais; legislar e regulamentar o exercício de tais direitos em conformidade e obediência à Constituição; assegurar a disponibilidade de meios e organização para o exercício de certos direitos (por exemplo, para o exercício do direito de antena); garantir os meios necessários de prevenção e sanção de eventuais ingerências por parte de terceiros; garantir a aplicação da justiça pelos tribunais.
O estado de emergência, como se disse, é declarado para limitar direitos, liberdades e garantais perante uma situação de crise, que sendo já uma ameaça pode até não constituir ainda perigo iminente de modo a permitir às autoridades antecipar-se na protecção à colectividade como um todo.
Sabemos que todo o acto de regulação comporta em si algum tipo de restrição e, no que toca aos direitos, liberdades e garantias, o regime geral, a forma e a materialidade de tais restrições estão balizadas pelo artigo 57.º da Constituição; preceito esse que estipula:
“1. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário, proporcional e razoável numa sociedade livre e democrática, para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. 2. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão nem o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”
Decorre, então, do citado artigo 57.º um conjunto de pressupostos e requisitos materiais que analisaremos de seguida e também requisitos quanto à forma da lei restritiva de direitos, liberdades e garantias. Assim, do ponto de vista formal, a restrição de direitos, liberdades e garantias só pode efectivar-se mediante:
a) Lei em sentido formal. Ou seja, compete exclusivamente à Assembleia Nacional legislar em matéria de direitos, liberdades e garantias e restrições aos mesmos [alíneas b) e c) do artigo 164.º]. Trata-se de matéria de reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia Nacional e, portanto, não é admitida a possibilidade de autorização ao Presidente da República para legislar nestas matérias. Fica, assim, assegurado que a matéria dos direitos fundamentais não queda na disponibilidade de regulação da Administração, sujeita a critérios de conveniência, mas que seja decidida pelo órgão legislativo soberano do Estado, que exerce a função em representação do povo e nele congrega as várias orientações políticas que receberam mandato em eleições;
b) Lei geral e abstracta. Isto é, por um lado, tem de ser uma lei que tem como destinatários a generalidade das pessoas, por oposição à lei que se aplica apenas a uma pessoa ou a um conjunto identificado de pessoas. Por outro lado, lei abstracta é aquela que é aplicável a um conjunto indeterminado de casos. Em resumo, a lei que restringe direitos, liberdades e garantias tem de dirigir-se à generalidade das pessoas e aplicar-se a um conjunto indeterminado de casos;
c) lei sem efeito retroactivo. O que significa que a lei que restrinja direitos, liberdades e garantias pode ter aplicação apenas para o futuro; dito de outra forma, a lei não pode aplicar-se a factos já ocorridos. A não retroactividade constitui uma garantia para os cidadãos que os actos praticados em determinado momento têm os efeitos cominados pela lei vigente nessa data e que podiam razoavelmente antecipar. Está em causa a tutela do princípio da confiança, que decorre directamente do primado do Estado de Direito Democrático. Visto panoramicamente o regime formal, passemos agora ao regime material. A doutrina reconhece pelo menos três níveis de restrições impostas aos direitos, liberdades e garantias por via de lei: as restrições directamente previstas pela Constituição (restrições constitucionais directas), as restrições impostas por lei (infra-constitucional) sob autorização da Constituição (restrições sob reserva de lei restritiva) e as restrições impostas por lei infra-constitucional sem autorização expressa da Constituição (restrições não expressamente autorizadas).
A não retroactividade constitui uma garantia para os cidadãos
Analisemos as condições cumulativas de licitude constitucional, em termos materiais, aplicáveis à restrição de direitos, liberdades e garantias:
a) Autorização constitucional: a existência de autorização constitucional para a imposição de restrições. Diremos que tal autorização constitucional poderá ser expressa, decorrendo directa e imediatamente do texto constitucional; ou tácita, podendo não ser expressa, mas estar implícita em norma constitucional. Quanto às restrições não expressamente autorizadas pela Constituição, são avançadas três critérios de admissibilidade, que acompanhamos:
(1) que a lei se limite a «revelar» ou a concretizar limites de algum modo presentes na Constituição, não sendo de admitir que se criem autonomamente limites supostamente imanentes;
(2) que a definição de tais limites seja o único meio de resolver conflitos de outro modo insuperáveis entre direitos constitucionais de idêntica natureza;
(3) que tais limites reduzam o âmbito do direito ou direitos atingidos apenas na medida estritamente necessária à superação do conflito;
b) Proporcionalidade: que a restrição se limite ao necessário, proporcional e razoável. As restrições aos direitos, liberdades e garantias têm de ultrapassar o teste da proporcionalidade, que se desdobra no seguinte: as medidas restritivas devem constituir o meio adequado para a salvaguarda de outro bem, direito ou interesse com tutela constitucional (princípio da adequação); devem ser necessárias, exigíveis, por não haver à disposição outro meio menos gravoso que possibilite a realização do mesmo fim (princípio da necessidade); e devem ser doseadas na medida justa para a realização do fim em vista (princípio da proporcionalidade em sentido restrito). Está em causa a proibição de medidas restritivas excessivas ou que causem maior lesão do que a que seria necessária para aquele fim de proteção;
c) Propósito: que a restrição tenha por objectivo salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. A imposição de restrições aos direitos, liberdades e garantias tem uma finalidade constitucionalmente predefinida a que o legislador deve obediência. Ou seja, ao legislador não é permitido determinar restrições de direitos quando tal restrição não sirva o propósito de assegurar a salvaguarda, a protecção, de outros direitos e interesses protegidos ao mesmo nível constitucional. Daqui decorrem duas ideias-chave: o sacrifício sustentado por um direito fundamental tem sempre motivação e propósitos previamente definidos; e não é válida a restrição de direitos fundamentais para salvaguarda de direitos ou interesses que beneficiam apenas de tutela infra-constitucional (ao nível da lei ordinária ou de normas administrativas);
d) Salvaguarda do conteúdo essencial: que a restrição imposta não diminua a extensão nem o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. Saliente-se que o “conteúdo essencial dos preceitos constitucionais” parece indicar-nos um caminho distinto do “núcleo essencial dos direitos, liberdades e garantias”. Assim, qualquer restrição a um direito, liberdade e garantia encontra como barreira de defesa o que seja definido pela Constituição quanto ao âmbito, profundidade (alcance) e as relações com outros direitos e os seus efeitos (extensão), que, em conjunto, formam parte do núcleo essencial do direito em causa. Uma restrição não pode significar a anulação total do efeito ou utilidade de um direito em favor de outro, sendo sempre necessário assegurar que o direito objecto da restrição mantém a sua eficácia e efectividade.
No essencial, do artigo 57.º resultam os critérios de materiais de proporcionalidade, razoabilidade e necessidade, importando que as medidas salvaguardem o conteúdo essencial dos direitos, liberdades ou garantias em causa: a restrição imposta não diminua a extensão nem o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. E devem ser adoptadas por lei da Assembleia Nacional.
As restrições aos direitos, liberdades e garantias têm de ultrapassar o teste da proporcionalidade
Tal regime material, aplica-se com adaptações à declaração de estado de emergência. Decorre daí que, em situações de excepção previstas na Constituição, como é o caso do estado de emergência, é admissível suspender – parcial e temporariamente – o exercício de certos direitos, liberdades e garantias. Não se trata da sua restrição ou da alteração do seu núcleo essencial, nem tão-pouco da regulação subjacente à sua efectividade: trata-se de determinar que, por razões extraordinárias, durante um período de tempo determinado, os cidadãos não poderão invocar ou fazer uso das vantagens decorrentes dos direitos, liberdades e garantias. No caso concreto, a suspensão de direitos, liberdades e garantias poderá ocorrer da declaração de estado de emergência pelo Presidente da República, ao abrigo da alínea p) do artigo 119.º da Constituição. Acto esse que toma a forma de decreto presidencial.
Tal situação é uma das bem tipificadas do artigo 58.º da Constituição ao lado do estado de guerra e do estado de sítio. Tratam-se de situações caracterizadas por serem de efectiva ou iminente ameaça grave, comportarem perigo para a existência do Estado e dos cidadãos, a segurança e organização da comunidade, que para serem debeladas exigem uma resposta extraordinária, com recurso a medidas de excepção. Dir-se-ia que o estado de excepção constitucional é, pois, uma situação anómala, por natureza transitória, destinada a pôr fim a perturbações constitucionais («autodefesa constitucional») ou a situações de calamidade que não possam ser enfrentadas com os meios constitucionais normais.
É de notar, por isso, que não se trata de um acto livre e autónomo do Presidente da República, na medida em que carece da audição prévia da Assembleia Nacional e está sujeito à verificação de pressupostos materiais quanto à situação (factos concretos que determinam a necessidade de aplicação de medidas excepcionais) e requisitos materiais.
Não obstante a necessidade de resposta excepcional a uma situação anómala, há um conjunto de direitos fundamentais que não podem ser afectados. Entende-se que, mesmo em situação de perigo para o Estado ou para a comunidade, estes direitos permanecem plenamente eficazes e não podem ser suspensos. De entre eles, o direito à vida; à integridade pessoal e à identidade pessoal; o direito à não retroactividade da lei penal; o direito de defesa dos arguidos; a liberdade de consciência e de religião, bem como as regras associadas à organização e funcionamento do Estado, como sejam as regras relativas à competência e ao funcionamento dos órgãos de soberania; os direitos e imunidades dos membros dos órgãos de soberania; a capacidade civil e a cidadania. Visto de forma global, diremos que os direitos e regras intangíveis, mesmo em situação de excepcionalidade constitucional, estão intrinsecamente ligados e são corolário do princípio da salvaguarda da dignidade da pessoa humana e do princípio do Estado de Direito Democrático, que constituem as fundações da Constituição e do Estado Angolano. Para além de outros requisitos próprios da declaração do estado de necessidade, merece destaque a primazia atribuída ao princípio da proporcionalidade como bainha de segurança à eventual desproporcionalidade da medida. O estado de emergência e as medidas de concretização devem limitar-se ao necessário e adequado à manutenção da ordem pública; à protecção do interesse geral; e a não ultrapassar o necessário quanto à sua extensão, duração e meios utilizados.
No estado de emergência, a finalidade em causa é a manutenção da ordem pública e da normalidade constitucional. Se os efeitos de manutenção da ordem pública puderem ser alcançados pela suspensão apenas de alguns direitos ou pela imposição de restrições excepcionais, será esse o caminho consentâneo com o princípio da proporcionalidade. A par do regime aplicável às restrições dos direitos, liberdades e garantias, a Constituição estabelece ainda um conjunto de regras de natureza garantística, que visam assegurar que, em determinadas situações, as práticas do Estados e dos seus agentes são de molde a preservar os direitos, liberdades e garantias das pessoas e a prevenir a sua violação, com a consequente degradação da dignidade da pessoa humana das pessoas afectadas.
Sem nos determos sobre cada uma das regras de garantia, destacamos que integram esse bloco: a proibição da pena de morte; a proibição da tortura e de tratamentos degradantes; as regras particularmente gravosas aplicáveis aos crimes hediondos e violentos; a irreversibilidade das amnistias; os direitos reconhecidos aos detidos e presos; as regras aplicáveis à privação da liberdade; as regras de aplicação da lei penal; os limites aplicáveis às penas e medidas de segurança e as regras do processo penal; a possibilidade de habeas corpus e habeas data; as regras aplicáveis à extradição e expulsão; o direito de asilo; o direito a julgamento justo; o direito de petição, denúncia, reclamação e queixa; o direito de acção popular, assim como as regras de responsabilidade do Estado e outras entidades públicas.
Como não poderia deixar, abordamos o tema em termos genéricos e sem o conhecimento dos termos exactos do decreto presidencial que declara o estado de necessidade. Só analisando o texto do diploma poderemos avaliar o grau de intensidade das limitações ou restrições aos direitos fundamentais.
Em qualquer caso e nos termos legalmente previstos, em caso de dúvidas, o Tribunal Constitucional pode ser convocado a pronunciar-se sobre a conformidade constitucional das normas do diploma.
por razões extraordinárias, durante um período de tempo determinado, os cidadãos não poderão invocar ou fazer uso das vantagens decorrentes dos direitos, liberdades e garantias
Assim, em termos constitucionais e legais as balizas estão traçadas e têm limites máximos materiais como a proibição de afectação de certos direitos, liberdades e garantias como o direito à vida e temporais. Ou seja, tais medidas devem limitar-se ao estritamente necessário ao imediato restabelecimento da normalidade, não podendo prolongar-se por mais de 90 dias, sem prejuízo da sua prorrogação. A julgar pelos dados tornados públicos e face aos desafios efectivos do Estado e da população, estamos convencidos que estão reunidos os pressupostos da declaração do estado de emergência, uma vez que o Covid-19 é uma ameaça e um perigo mais do que iminentes.
O presente artigo foi redigido em 25 de Março de 2020 e corresponde ao desenvolvimento da nossa opinião publicada no Jornal de Angola, edição de 26 de Março de 2020. O tema é abordado em termos genéricos e sem o conhecimento dos termos exactos do decreto presidencial que declarara o estado de emergência.
Carlos Maria Feijó Sócio-fundador do CFA Doutor em Direito Público Professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto Professor convidado da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa Professor convidado da Escola de Direito da Universidade do MinhoAs ruas de luanda estão quase desertas. Os cidadãos estão a cumprir as determinações do estado de emergência.
A nova Pauta Aduaneira, aprovada pelo Decreto Legislativo Presidencial n.º 10/19, publicado em 29 de Novembro de 2019, está em vigor e já completou um mês de implementação.
A nova Pauta Aduaneira revogou a pauta de 2018 (Decreto Legislativo Presidencial n.º 3/18, de 9 de Maio) e visou actualizar os direitos aduaneiros e conformar as taxas com o objectivo de desenvolvimento e diversificação da economia interna.
A pauta aduaneira é constituída por 5 elementos, a lista de descrições, as notas legais, as regras gerais de interpretação, as notas explicativas do sistema harmonizado e o compêndio de pareceres de classificação.
Sobre as mercadorias previstas na pauta incidem impostos de importação, o IVA, o IEC (para determinadas mercadorias e produtos) e os emolumentos gerais.
Com relevância para o cômputo dos custos aduaneiros, relembramos que o Imposto de Selo sobre o valor aduaneiro das importações e das exportações previsto na verba n.º 15 da tabela a que se refere o Decreto Legislativo Presidencial n.º 3/14, de 21 de Outubro foi revogado pelo Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado; pelo que, o Imposto de Selo já não é tributado.
A nova Pauta Aduaneira é marcada por várias inovações no regime aduaneiro angolano, de entre as quais destacamos as seguintes:
Substituição do Imposto de Consumo pelo Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) aduaneiro que incide sobre as mercadorias importadas definitivamente. O IVA é calculado mediante a aplicação da taxa de 14% sobre o valor aduaneiro e tributado no momento da tramitação do despacho aduaneiro;
Implementação do Imposto Especial de consumo (IEC), o qual incide sobre as mercadorias importadas definitivamente que representam nocividade para saúde e para o meio ambiente;
A dívida aduaneira passa a englobar como imposições aduaneiras, somente os direitos aduaneiros, direitos antidumping e os emolumentos gerais aduaneiros.
Como uma medida de protecção do produto nacional face a competição no mercado internacional e forma de incentivar a produção interna, algumas mercadorias e produtos que anteriormente estavam isentos na pauta aduaneira deixaram de sê-lo ou tiveram um agravamento da taxa em sede da nova pauta aduaneira.
Destacamos as seguintes alterações:
A importação da farinha de trigo e da farinha de milho estão sujeitas a taxa de 20%;
Leite para crianças está isento;
Agravamento de 10% na taxa para importação de iogurte e outros;
A importação de tintas vernizes a base de polímeros esta sujeita a taxa de 40%;
O sabão quer em líquido, em barra ou em creme na sua importação estão sujeitos a taxa de 40%;
Os livros para colorir ou desenhar para crianças, livros de músicas, as obras cartográficas, plantas topográficas e globos na sua importação estão sujeitos a taxa de 50%
Agravamento na taxa de importação das roupas de cama, mesa ou cozinha passando para uma taxa de 40%;
A importação de perucas, madeixas, tranças, caracóis e cachos de materais têxteis, de cabelo ou de outros materiais está sujeita a taxa de 50%;
Redução de 10% na taxa sobre a importação de ovos.
Hoje (31/10/2019) o Prof. Doutor Carlos Feijó partilhou o palco da conferência organizada pelo Banco Nacional de Angola com o Prof. Carlos Costa, Governador do Banco de Portugal, e com o Dr. Marcos Rietti Souto, representante do FMI em Angola.
O Prof. Doutor Carlos Feijó proferiu uma comunicação sobre o governo corporativo dos bancos em Angola, na qual fez o diagnóstico da situação actual do corporate gorvernance bancário em Angola e apontou os desafios do futuro.
O Programa de Privatizações para 2019-2022 foi divulgado, oficialmente, em 5 de Agosto, com a publicação do Decreto Presidencial 250/19 em Diário da República.
O governo angolano lançou recentemente o Programa de Privatizações. Esta é uma oportunidade para os investidores e também um teste para a economia angolana.
O programa, designado PROPRIV, faz parte do plano de reforma económica que o governo angolano está a implementar desde 2018 (o Presidente João Lourenço tomou posse em Setembro de 2017) e é, na verdade, a terceira vaga de privatizações de Angola. A primeira iniciativa de privatizações foi realizada entre 1989 e 1994, durante a guerra civil; a segunda iniciativa teve lugar entre 2001 e 2005, imediatamente após o fim da guerra civil e fazia parte do plano de reconstrução do país em tempo de paz e estabilidade.
A economia angolana está em forte transformação em resultado e várias iniciativas do Presidente João Lourenço, com o objetivo de tornar Angola um país moderno e atraente para o investimento. A título ilustrativo, destacamos o seguinte:
Nova Lei do Investimento Privado, mais favorável ao investimento e com processos facilitados;
Implementação da Lei da Concorrência, que pela primeira vez em Angola define claramente as regras da concorrência;
Cancelamento de alguns contratos com o Estado, que ou mantinham situações de monopólio ou foram considerados demasiado onerosos para o Estado;
Simplificação de procedimentos para a criação de empresas;
Combate à corrupção, sendo que já existem casos com decisões judiciais;
Aumento do número de procedimentos de concurso público para contratos com entidades públicas;
Implementação de medidas para apoiar a indústria e a agricultura locais;
Reforço das regras de compliance, em linha com os standards internacionais.
Não obstante as medidas positivas que têm vindo a ser implementadas, Angola está em recessão económica e espera-se que continue até 2020. Esta é a opinião expressa na última previsão da Economist Intelligence Unit (EIU), que prevê taxas de crescimento de -2,2% em 2019 e -1,9% em 2020; de acordo com o mesmo relatório de 2021, espera-se que Agola tenha uma taxa de crescimento de 2,5%, seguida de 4,1% em 2022 e 5,0% em 2023.
O Programa de Privatizações agora anunciado serve vários propósitos: é um mecanismo de gerar recursos financeiros extraordinários para o Estado; alivia o nível de intervenção do Estado na economia ao mesmo tempo que liberta o Estado da administração de um sector empresarial muito alargado e com fracos resultados económicos e financeiros; reforça o setor privado e abre a economia a novos actores; e apela ao investimento de investidores estrangeiros com potencial para injectar recursos, know-how, tecnologia e inovação em Angola.
O Programa de Privatizações abrange 195 empresas (empresas públicas e empresas parcialmente pertencentes ao Estado), agrupadas nos seguintes segmentos: empresas de referência nacional; empresas participadas e ativos da Sonangol; outras empresas e ativos; e empresas industriais da ZEE.
Quanto às modalidades de privatização, estão previstas quatro possibilidades: oferta pública inicial (OPI); leilão em bolsa realizado na BODIVA; concurso público; e concurso limitado por pré-qualificação.
O PROPRIV indica o procedimento a ser aplicado a cada empresa e o calendário provável para a privatização de cada empresa, mas tanto o procedimento como o calendário podem ser alterados considerando a situação de cada empresa e as condições de mercado no momento da a decisão final do Presidente em relação a cada delas.
É de salientar que algumas grandes empresas em Angola estão abrangidas no Programa e a posição do Estado deverá ser alienada através de oferta pública em Bolsa. O processo de alienação deve começar este ano de 2019 ou 2020 para as seguintes empresas BCI, SARL; ENSA Seguros, S.A.; TV Cabo Angola, Lda..
A alienação dessas empresas em Bolsa será um teste ao Código dos Valores Mobiliários em vigor e aos regulamentos que impõem obrigações de informação ao público e a divulgação de prospecto. A acrescer, qualquer investidor, angolano ou estrangeiro, deve considerar os requisitos de compliance relativos à identificação do beneficiário final e à divulgação da origem dos recursos para pagamento.
O sucesso do Programa de Privatizações em andamento depende parcialmente do interesse dos investidores, principalmente dos estrangeiros (aqueles que já estão em Angola e conhecem o mercado e aqueles que nunca investiram em Angola). De qualquer forma, o investidor estrangeiro que decidir comprar ações ou ativos no âmbito do Programa de Privatização precisará decidir também qual canal usar: uma empresa criada em Angola, um fundo de investimento em Angola, uma conta de investimento em Angola, etc.
Este Programa de Privatização é uma oportunidade de negócio e em simultâneo um teste com potencial para mudar a face da economia e dos negócios em Angola.